terça-feira, 5 de abril de 2016

O DEUS SUBJUNTIVO



O Deus Subjuntivo

O Deus Que Talvez Possa.

Toda comunidade humana que tem alguma homogeneidade de pensamento ou conduta é um grupo com uma identidade social. A linguagem é um conjunto de símbolos. Quer seja tal comunidade aberta ou fechada, ela desenvolve uma linguagem e um maneirismo diferenciados, com vocabulário e expressões próprias do grupo, que o distingue de outros grupos sociais, produzindo uma identidade sociocultural. Este processo social caracteriza a personalidade coletiva do grupo.

Na antropologia social, estas variações linguísticas, são conhecidas como retórica e discurso. O discurso também pode incluir a expressão através do vestuário. Existem as linguagens dos surfistas, grunges, nerds, geeks, darks, emos, punks, góticos etc. A antropologia chama estes grupos de Tribos Urbanas. Os grupos religiosos também desenvolvem uma linguagem própria. O povo católico tem uma linguagem peculiar, com expressões próprias que já se tornaram mais do que populares. Por exemplo, as exclamações: “Virgem Santa!”, “JesusMariaJose!”, “Valha-me São Fulano!”, “Credo!”. Usam o termo rezar ao invés de orar, carisma ao invés de dom, comunhão ao invés de ceia, etc.

O povo evangélico não escapou dessa tendência de ser um grupo social-religioso com linguagem própria. O maneirismo e a linguística evangélica é tão profícua, abundante e diversa que enquadra quase uma nova dialética social. A linguagem dos evangélicos já pode ser chamada de "evangeliquês". Expressões como "tá amarrado", "o sangue de Jesus tem poder", "repreendo esta palavra", "amarrar o capeta", "manto de mistério", "passar pela prova", "pagar o preço" e outras inumeráveis fazem parte do cotidiano de comunicação entre os evangélicos. Tornaram-se tão comuns que passaram a ser usadas pela população em geral fora do cosmo evangélico. 

A disciplina de Sociologia ensina que todo o aprendizado social se desenvolve através de processos como a imitação, a sugestão, a simpatia e a identificação. A imitação é a tendência que vem da infância de repetir o comportamento de seus pais ou das pessoas com as quais convivem. A sugestão é o mecanismo psicológico que leva pessoas a aceitar ou fazer o que lhe é induzido por outra que ela admira. A simpatia leva as pessoas a adotar distraidamente o comportamento de outras pessoas com quem ela mantém laços afetivos. A identificação é o processo de vivenciar outra personalidade, imitando atitudes, postura, maneirismos, expressões vocais, quase de modo infantil. As expressões do “evangeliquês” geralmente nascem no púlpito das igrejas devido ao uso sistemático em pregações e são imitadas pelos ouvintes, pela familiarização por repetição, por confiar na erudição do pregador, ter simpatia por ele e se identificar com ele. 


A expressão “muita das vezes" é um dos exemplos da disseminação viral de uma expressão aparentemente nascida em igrejas evangélicas. Se a pessoa está querendo dizer "frequentemente" no sentido de ocorrência repetida, a expressão adverbial correta é "muitas vezes", não havendo a necessidade da contração da preposição "de". A epidemia do "muitadasvezes" se propagou tão fortemente que até apresentadores de TV famosos já a empregaram ao vivo nas programações.

A última epidemia de modismo de frases é lamentavelmente a disseminação do "QueDeusPossa" ou o Deus Subjuntivo. De acordo com a definição gramatical do tempo verbal temos: 

"O Modo Subjuntivo, assim como o Indicativo, se caracteriza por um conceito semântico, é considerado o modo verbal que ao invés de expressar uma certeza expressará uma ideia de dúvida, exprime uma ação irreal, hipotética" [InfoEscola.com].

As frases empregadas de modo disseminado por pregadores evangélicos como: "Que Deus possa te”...abençoar, prosperar, curar, libertar, abrir a mente, e etc. descaracteriza o Deus presente, da certeza, em quem se pode confiar e enfatiza o Deus da incerteza, da dúvida, que talvez agirá. O Deus Subjuntivo é aquele Deus que eventualmente poderá ou não abençoar, talvez dependendo do humor Dele, no momento da oração subjuntiva.

A expressão "queDeuspossa" é tão maligna que já está ficando arraigada na retórica evangélica. Este próprio autor assistiu recentemente uma grande aberração ao vivo. Durante a pregação de uma pastora missionária americana famosa, ela foi tomada por um momento profético e começou abençoar o povo dizendo em inglês__ "abençoa Senhor...etc" no presente do indicativo e até mesmo no imperativo, mas a pastora brasileira que estava fazendo a tradução dizia__ "que Deus possa te abençoar". Uma invocando profeticamente o Deus presente, da certeza, e a outra invocando o Deus subjuntivo, da incerteza. Quase que destruindo a ação profética da missionária.

Dizer: "Irmão, queDeuspossa te abençoar neste dia" significa dizer "Irmão, que Deus talvez te abençoe neste dia" ou "é possível que Deus te abençoe neste dia, vamos torcer". Imaginem como ficaria algumas frases famosas do apóstolo Paulo no subjuntivo:

Tudo posso naquele que me fortalece. “Que eu tudo possa naquele que possa me fortalecer” [Fp 4:13]. 

E toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a gloria de Deus Pai. “Que toda língua possa confessar que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai” [Fp 2:11]. 

Quero pois que todos os varões orem em todo o lugar, levantando... “Quero pois, que todos os varões possam orar em todo o lugar, levantando...” [1Tm 2:8].


Em todas estas coisas, porém, somos mais do que vencedores... “Em todas estas coisas, porém, que possamos ser mais do que vencedores... [Rm 8:37].

O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo... “O mesmo Deus da paz possa vos santificar em tudo...” [1Ts 5:23]

Este Deus subjuntivo seria imprevisível. Profetizar a Palavra de Deus no subjuntivo transforma a profecia num pronunciamento aberrante, quiçá produzindo resultados espirituais irrelevantes. Portanto, vamos colocar esta expressão QueDeusPossa no saco de lixo cultural da nossa historia evangélica.