O Deus Subjuntivo
O Deus Que Talvez Possa.
Toda comunidade
humana que tem alguma homogeneidade de pensamento ou conduta é um grupo com uma
identidade social. A linguagem é um conjunto de símbolos. Quer seja tal
comunidade aberta ou fechada, ela desenvolve uma linguagem e um maneirismo
diferenciados, com vocabulário e expressões próprias do grupo, que o distingue
de outros grupos sociais, produzindo uma identidade sociocultural. Este
processo social caracteriza a personalidade coletiva do grupo.
Na antropologia social, estas variações
linguísticas, são conhecidas como retórica e discurso. O discurso também pode
incluir a expressão através do vestuário. Existem as linguagens dos surfistas,
grunges, nerds, geeks, darks, emos, punks, góticos etc. A antropologia chama
estes grupos de Tribos Urbanas. Os grupos religiosos também desenvolvem uma
linguagem própria. O povo católico tem uma linguagem peculiar, com expressões próprias
que já se tornaram mais do que populares. Por exemplo, as exclamações: “Virgem Santa!”, “JesusMariaJose!”,
“Valha-me São Fulano!”, “Credo!”. Usam o termo rezar ao invés de orar,
carisma ao invés de dom, comunhão ao invés de ceia, etc.
O povo evangélico
não escapou dessa tendência de ser um grupo social-religioso com linguagem
própria. O maneirismo e a linguística evangélica é tão profícua, abundante e
diversa que enquadra quase uma nova dialética social. A linguagem dos
evangélicos já pode ser chamada de "evangeliquês".
Expressões como "tá amarrado",
"o sangue de Jesus tem poder", "repreendo esta palavra",
"amarrar o capeta", "manto de mistério", "passar pela
prova", "pagar o preço" e outras inumeráveis fazem parte do
cotidiano de comunicação entre os evangélicos. Tornaram-se tão comuns que
passaram a ser usadas pela população em geral fora do cosmo evangélico.
A disciplina de
Sociologia ensina que todo o aprendizado social se desenvolve através de
processos como a imitação, a sugestão, a simpatia e a identificação. A imitação
é a tendência que vem da infância de repetir o comportamento de seus pais ou
das pessoas com as quais convivem. A sugestão é o mecanismo psicológico que
leva pessoas a aceitar ou fazer o que lhe é induzido por outra que ela admira. A
simpatia leva as pessoas a adotar distraidamente o comportamento de outras pessoas
com quem ela mantém laços afetivos. A identificação é o processo de vivenciar
outra personalidade, imitando atitudes, postura, maneirismos, expressões
vocais, quase de modo infantil. As expressões do “evangeliquês”
geralmente nascem no púlpito das igrejas devido ao uso sistemático em pregações
e são imitadas pelos ouvintes, pela familiarização por repetição, por confiar
na erudição do pregador, ter simpatia por ele e se identificar com ele.
A expressão “muita
das vezes" é um dos exemplos da disseminação viral de uma
expressão aparentemente nascida em igrejas evangélicas. Se a pessoa está
querendo dizer "frequentemente" no sentido de ocorrência repetida, a expressão
adverbial correta é "muitas vezes", não havendo a necessidade da
contração da preposição "de". A epidemia do "muitadasvezes"
se propagou tão fortemente que até apresentadores de TV famosos já a empregaram
ao vivo nas programações.
A última epidemia
de modismo de frases é lamentavelmente a disseminação do "QueDeusPossa"
ou o Deus Subjuntivo. De acordo com
a definição gramatical do tempo verbal temos:
"O Modo Subjuntivo, assim como o Indicativo, se
caracteriza por um conceito semântico, é considerado o modo verbal que ao invés
de expressar uma certeza expressará uma ideia de dúvida, exprime uma ação
irreal, hipotética" [InfoEscola.com].
As frases
empregadas de modo disseminado por pregadores evangélicos como: "Que Deus possa
te”...abençoar, prosperar, curar, libertar, abrir a mente, e etc.
descaracteriza o Deus presente, da certeza, em quem se pode confiar e enfatiza
o Deus da incerteza, da dúvida, que talvez agirá. O Deus Subjuntivo é aquele
Deus que eventualmente poderá ou não abençoar, talvez dependendo do humor Dele,
no momento da oração subjuntiva.
A expressão "queDeuspossa" é tão
maligna que já está ficando arraigada na retórica evangélica. Este próprio autor
assistiu recentemente uma grande aberração ao vivo. Durante a pregação de uma
pastora missionária americana famosa, ela foi tomada por um momento profético e
começou abençoar o povo dizendo em inglês__
"abençoa Senhor...etc" no presente do indicativo e até mesmo no
imperativo, mas a pastora brasileira que estava fazendo a tradução dizia__ "que Deus possa te abençoar".
Uma invocando profeticamente o Deus presente, da certeza, e a outra invocando o
Deus subjuntivo, da incerteza. Quase que destruindo a ação profética da
missionária.
Dizer: "Irmão,
queDeuspossa te abençoar
neste dia" significa dizer "Irmão, que Deus talvez te abençoe neste
dia" ou "é possível que Deus te abençoe neste dia, vamos torcer".
Imaginem como ficaria algumas frases famosas do apóstolo Paulo no subjuntivo:
Tudo posso naquele que me fortalece. “Que eu tudo possa naquele que possa me fortalecer” [Fp
4:13].
E toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor,
para a gloria de Deus Pai. “Que toda língua possa confessar que Jesus
Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai” [Fp 2:11].
Quero pois que todos os varões
orem em todo o lugar, levantando... “Quero
pois, que todos os varões possam
orar em todo o lugar, levantando...” [1Tm 2:8].
Em todas estas coisas, porém, somos mais do que
vencedores... “Em todas estas coisas, porém, que possamos ser mais do que
vencedores... [Rm 8:37].
O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo... “O mesmo Deus da paz possa
vos santificar em tudo...” [1Ts 5:23]
Este Deus
subjuntivo seria imprevisível. Profetizar a Palavra de Deus no subjuntivo
transforma a profecia num pronunciamento aberrante, quiçá produzindo resultados
espirituais irrelevantes. Portanto, vamos colocar esta expressão
QueDeusPossa no saco de lixo cultural da nossa historia evangélica.

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