terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Comentários sobre o Sonho dos 4 Animais de Daniel

Comentários sobre o Sonho dos 4 Animais de Daniel

Rodnei Cecarelli

Daniel capítulo 7:1-8, ARA

1 No primeiro ano de Belsazar, rei da Babilônia, teve Daniel um sonho e visões ante seus olhos, quando estava no seu leito; escreveu logo o sonho e relatou a suma de todas as coisas.
2 Falou Daniel e disse: Eu estava olhando, durante a minha visão da noite, e eis que os quatro ventos do céu agitavam o mar Grande.
3 Quatro animais, grandes, diferentes uns dos outros, subiam do mar.
4 O primeiro era como leão e tinha asas de águia; enquanto eu olhava, foram-lhe arrancadas as asas, foi levantado da terra e posto em dois pés, como homem; e lhe foi dada mente de homem.
5 Continuei olhando, e eis aqui o segundo animal, semelhante a um urso, o qual se levantou sobre um dos seus lados; na boca, entre os dentes, trazia três costelas; e lhe diziam: Levanta-te, devora muita carne.
6 Depois disto, continuei olhando, e eis aqui outro, semelhante a um leopardo, e tinha nas costas quatro asas de ave; tinha também este animal quatro cabeças, e foi-lhe dado domínio.
7 Depois disto, eu continuava olhando nas visões da noite, e eis aqui o quarto animal, terrível, espantoso e sobremodo forte, o qual tinha grandes dentes de ferro; ele devorava, e fazia em pedaços, e pisava aos pés o que sobejava; era diferente de todos os animais que apareceram antes dele e tinha dez chifres.
8 Estando eu a observar os chifres, eis que entre eles subiu outro pequeno, diante do qual três dos primeiros chifres foram arrancados; e eis que neste chifre havia olhos, como os de homem, e uma boca que falava com insolência.

    A descrição da visão do profeta Daniel se estabelece para muitos estudiosos tanto com uma interpretação profética pretérita quanto histórica e, para alguns outros, também escatológica. A profecia é apresentada na forma alegórica usando os animais como figura de linguagem para descrever situações, reinos, políticas e governos que deveriam se suceder àquela época. No verso 1 está assegurado quando foi registrada a visão. Segundo os historiadores, o tempo do rei Belsazar era época de decadência social do Império Babilônico.

    No verso 2a a figura dos quatro ventos do céu parece estar relacionada com os quatro pontos cardeais ou aos quatro cantos da terra, ou as quatro estações etc., um figurativo de tempos e lugares. De acordo com a numerologia bíblica o número quatro é o número da terra, da criação, referindo então a um evento criado, terreno e não espiritual (2). Entretanto, alguns autores sugerem que a palavra hebraica para vento ou sopro, ru’ah, teria conotação espiritual, sendo então um vento divino. Mas este argumento isolado nos parece inconsistente porque colocaria Deus na posição de gerador da história e não como controlador da história. Usualmente na Bíblia a palavra ventos (plural) está associada a rumores.

    No verso 2b, os ventos agitavam o mar Grande. Na tipologia bíblica o mar significa povos, nações governos, política. Mar Grande ou Grande Mar era como os povos da época se referiam ao Mar Mediterrâneo. Resumindo, o verso 2 quereria dizer que da agitação dos povos e nações surgiriam reinos e/ou impérios com diferentes políticas de governo na área do Mediterrâneo. De acordo com a descrição do verso 3 há uma sequência lógica no surgimento de espécies animais apresentando padrão na natureza de domínio territorial e predador de topo de cadeia alimentar, simbolizando poderio natural.

   
No verso 4, o primeiro era como um leão com asas de águia. Na Mesopotâmia, o leão alado com rosto humano era chamado de kerubo, que em acadiano significa guardião, estava associado à figura do deus Marduk e era símbolo do Império Babilônico. Alguns autores sugerem a interpretação de que o leão com asa de águia representaria força associada à velocidade das conquistas iniciadas por Nabopalasar e concretizadas pelo seu filho Nabucodonosor. No entanto, o Império Babilônico (chamado de Segundo Império ou Neobabilônico) foi efêmero não durando mais duas gerações.
A visão das asas sendo arrancadas sugere os eventos posteriores à subida ao trono de Nabonide, filho de Nabucodonosor e pai de Belsazar, acompanhada do aumento da degradação moral da Babilônia, afundada em corrupção devido ao refinamento das suas riquezas e apatia da sua opulência. O reis que se deificavam pelas suas conquistas foram, na cinética do verso 4d, levantados da terra” (isto é, da religião, divinização) e colocados de pé como homem e com mente de homem (humanização). A degradação social levou a perda da força e da vontade de conquistar causando o enfraquecimento do império. Conta-se que Ciro, rei da Pérsia, entrou na cidade quase sem resistência e aplaudido pelo povo.



No verso 5a se levanta do mar outro animal semelhante a um urso. Na natureza o urso representa uma força brutal que alcança grandes
proporções quando despertada. Uma personalidade similar à política do Império Medo-Persa. Ciro, o Grande, também chamado de Rei dos Reis, foi o rei persa que derrotou os medos, mas não os aniquilou, formou uma confederação com eles e um corpo de exército beirando 2 milhões de homens. Este foi o rosto da diplomacia de Ciro. Quando seu exército chegava a uma cidade, ele oferecia ao rei local uma aliança: não resista, seja meu amigo, pague meus tributos e continue reinando.  Se houvesse resistência, a força empregada era desproporcional. Os reis persas tinham muita consideração com as leis e os direitos. O sucessor de Ciro, o medo Dario, fez o mesmo tipo de política e diplomacia, com respeito a direitos e deveres de governantes e governados. Relatos históricos contam que uma das frases empregadas amiúde por Dario foi__ “sou amigo do que é correto”. Portanto a interpretação de alguns estudiosos de que o urso representaria a crueldade dos persas é improcedente. Em uma escala de crueldade podemos colocar os assírios como muito cruéis porque usavam o empalamento como forma de tortura e terror e a deportação como forma abater para subjugar; os babilônicos como cruéis porque saqueavam as riquezas dos derrotados e escravizavam povos para dependerem do império para sobreviver; os persas como pouco cruéis porque procuravam o domínio pela estratégia das co-regências nas satrápias.(3)

   O destaque no verso 5b ao ato de se levantar sobre um dos lados representou a ascensão do persa Ciro dominando sobre os medos e formando uma confederação denominada Império Aquemênida. Há um firme consenso entre os historiadores de que a figura do urso com três costelas entre os dentes representa os três grandes impérios que foram aniquilados pelos persas: A Lídia, descendentes do Reino Hitita, a Babilônia e o Egito. Estes impérios deixaram de existir após as conquistas persas e nunca puderam se reerguer  (verso 5d Levanta-te, devora muita carne ).

  
No verso 6 esta descrito o outro animal semelhante ao leopardo. O leopardo na natureza é um animal com habilidades de caça que usa agilidade somada a força para surpreender a vitima com rapidez. O simbolismo do leopardo se encaixa perfeitamente no comportamento do Império Macedônio, que despontou mundialmente no século V AC, principalmente com Alexandre, o Grande. A descrição das 4 asas como de ave representa a rapidez das suas táticas de guerra para efetuar suas conquistas, o quadrado de guerra hoplita ou falange macedônia e as quatro cabeças seus 4 generais: Cassandro, Ptolomeu, Lisímaco e Selêuco.

   A vitória dos macedônios ao dominar o Peloponeso deveu-se a mudança das técnicas de combate hoplita que usava a linha de combate ombro-a-ombro em 2-3 fileiras, formando uma couraça de escudos redondos que apoiavam uma lança média que alcançava 2-3 fileiras de combatentes. As táticas de combate tinham certa plasticidade podendo a formação mudar dependendo do curso da luta. Foi muito usada pelos helenos Esparta e Atenas e também pelos persas. Quando Felipe, o Bárbaro, pai de Alexandre começou seu avanço pelas cidades gregas, já trouxera a modificação da formação clássica hoplita para a falange, um quadrado que podia se movimentar com uma formidável força frontal de esmagamento do inimigo. Era constituída de 10 ou mais fileiras cerradas e lanças longas de vários tamanhos que se estendiam da última fileira até a primeira apoiada nos ombro dos combatentes. A fraqueza lateral da falange era compensada pela posição da cavalaria.

   Quando assumiu o trono macedônio Alexandre passou a empregar estas técnicas militares e aperfeiçoa-las sobremaneira, usando de táticas ousadas de combate. Alexandre sempre usou suas forças com velocidade de manobra e, mesmo em menor número, nunca perdeu uma batalha. Foi um dos comandantes militares mais bem sucedido na história tornando-se referência em táticas de guerra até hoje. Alexandre estendeu o Império Macedônio a toda Ásia Menor, até parte da Índia e submeteu todo o Império Persa ( verso 4d e foi lhe dado domínio ). Entretanto, este domínio não se constituiu de somente conquista territorial, estendera-se muito além. O domínio cultural fora firmemente estabelecido com a helenização das terras conquistadas, difusão da religião, cultura e língua gregas, especialmente o dialeto grego popular, o koiné, falado pelas tropas e pelos comerciantes. Tornou-se marco cultural da humanidade, constituindo o período helenístico da história.  Após a sua morte, o império foi dividido entre os seus 4 generais. Cassandro reinou sobre Macedônia e Grécia, Lisímaco reinou sobre a Trácia e a Ásia Menor, Ptolomeu reinou sobre o Egito criando a dinastia ptolomaica e Selêuco reinou sobre a Síria e Palestina, criando a dinastia selêucida. Desta última dinastia surgiu o rei Antíoco Epifânio, grande perseguidor do povo judeu, envolvido com as Guerras Macabéias (4). Este rei também é retratado como um chifre dentre outros chifres em Daniel 8, na visão do carneiro e do bode. Não obstante a similitude de chifres, não haveria relação com o quarto animal de Daniel 7.

   O quarto animal da visão de Daniel foi rotulado de terrível, espantoso, sobremodo forte...diferente de todos os outros...O cerne desta descrição mostra uma espécie animal desconhecida. A ação deste animal é tríplice: devorava, fazia em pedaços e pisava o que sobrava. Possuía grandes dentes de ferro e dez chifres. Para interpretar a alegoria é necessário permanecer no viés de raciocínio de que os animais provindos do mar significam sistemas políticos e governanças, credo ut intelligam (creio em ordem para que possa entender; Anselmo de Bec, sec. XI).

.Devorava: exercia forte domínio político sobre nações.
.Fazia em pedaços: dividia as nações dominadas.
.Pisava o que sobrava: retaliava nações que resistiam.
.Grandes dentes de ferro: forte poderio militar.
.Dez chifres: O número dez e o seu multiplicativo decimal nas Escrituras significam ordem, perfeição de entrosamento ou ajustamento, aliança forte, plenitude de organização (2). Dez chifres, então, seria a perfeita integração de um sistema político de governabilidade com êxito. Pela lente da numerologia, os dez chifres não teria um valor numeral nem seriam, especificamente, dez nações, ou dez reinos, ou dez governantes e sim um valor simbólico de aliança bem consolidada de estados com mesma ambição política.  Na natureza chifre simboliza força. Na alegoria representaria poder político, poder de governo, poder do estado.

  
A simbologia que envolve o quarto animal começa com o crescimento do Império Romano e sua máquina militar, sendo aprimorada continuamente incorporando técnicas de formação de batalha e tática de combate quer dos gregos, persas e cartagineses. O quarto rei romano, Sérvio Túlio, já enfatizava a tática de divisão de batalha das legiões em centúrias de classes sociais e experiência de combate. Mais tarde, durante a República, adotou-se a formação manipular, unidades de 120 homens, em seguida, durante o Império formação das coortes. As técnicas de combate romanas eram normalmente irresistíveis permitindo a Roma dominar o mundo conhecido durante muitos séculos, impondo sua política de domínio, a Pax Romana, a todos os povos. O quarto animal, por conseguinte, é um apanágio de Roma: exercia forte domínio político sobre nações, dividia as nações dominadas, retaliava nações que resistiam, usava um forte poderio militar para exercer governabilidade de sucesso.

   O último século de Roma, já cristianizada, foi um tempo de fragmentação do seu império ocidental pela independência das províncias e a criação de novas nações, que vieram a formar a Europa e constituem atualmente a Comunidade Europeia. Estes fatos levaram alguns estudiosos a considerar que os dez chifres do quarto animal de Daniel seriam dez nações resultantes da partição do império ocidental. Contudo parece mais uma tentativa oportunista para encaixar o histórico no profético e vice-versa. A fascinante interseção histórica, na verdade, é que a maior parte destas nações foi formada por povos descendentes do filho de Noé chamado Jaffé. Estes povos são conhecidos como caucasianos e/ou indo-germânicos que usam idiomas de base linguística muito semelhante chamado de ramo indo-europeu. O império romano oriental cuja capital era Constantinopla foi conquistado pelos povos de origem árabe ou ismaelita e de outros povos do Oriente Medio e do Levante, que seguiam a doutrina religiosa Islamita. A maioria destes povos são descendentes do filho de Noé chamado Sem, et pour cause, povos ditos semitas.

   Ao longo do domínio do quarto animal a força dos seus chifres estaria na evolução da sociedade e dos regimes e doutrinas políticas, legislações, decretos, filosofias e tudo relativo à ciência e antropologia social ao longo dos séculos da cultura Greco-Romana que perdura até o momento, conhecido como o Humanismo Secular. Destarte, filosoficamente, a maioria do conhecimento humano foi gerada pelos filhos de Jaffé associado a um descendente de Sem, neste caso Judá.

   O verso 8 da visão relata que três chifres são arrancados para dar lugar a um novo chifre. Inicialmente pequeno, que mais adiante em Dn 7:20, referido como mais forte, com olhos e uma boca que falava insolências (ARA) ou arrogância (NVI) ou grandiosamente (ARC), grandes coisas (ASV). A retirada de três chifres mostra uma mudança na arquitetura política do conjunto para o surgimento de outro chifre, ficando a besta com 7+1 chifres.  O numero 7+1 nas escrituras está especialmente relacionado com ressurreição e regeneração, e o começo de uma nova era ou nova ordem (2). Devido à evolução antropológico-social ao longo dos séculos de desenvolvimento humano, o poder político mundial precisou ser reestruturado para começar uma nova era. Uma transição para adequação, estabelecendo os 7 chifres (conclusão perfeita ou completa) +1, perfazendo 8 (mais que perfeito ou superabundante). Por esta razão o oitavo chifre falava grandes coisas ou grandiosamente, pois falava arrogantemente da nova da estrutura criada, um perfeito governo mundial. Adicionalmente e concomitantemente, esta estrutura política exerce perfeito controle e vigilância sobre a sociedade, a saber, o chifre com olhos.

Este animal tem grande similaridade com a besta quimérica que sobe do mar em Apocalipse 13:

1 Vi emergir do mar uma besta que tinha dez chifres e sete cabeças e, sobre os chifres, dez diademas e, sobre as cabeças, nomes de blasfêmia.
2 A besta que vi era semelhante a leopardo, com pés como de urso e boca como de leão. E deu-lhe o dragão o seu poder, o seu trono e grande autoridade.

   Esta quimera também não seria uma pessoa, apesar de alguns estudiosos acharem que seria um governante de uma confederação de nações. Parece mais um sistema político de governo muito bem estruturado e alicerçado no humanismo com objetivo de governar o mundo. Divagando propositalmente dentro do universo da história dos povos e nações poder-se-ia especular o 7+1 sendo o domínio mundial exercido pelos descendentes dos 7 filhos de Jaffé + 1 de Sem, neste caso poderia muito bem ser o Islã ( há uma profecia do messias islâmico ou Mahdi ).

.Dez chifres: completo na sua estrutura.
.Sete cabeças: perfeito na sua organização.
.Dez diademas: absoluto no poder de governo.

.Parte leopardo: domínio político-cultural, Macedônia.
.Boca de leão: domínio político-territorial, Babilônia.
.Pés de urso: domínio político-diplomático, Pérsia.

   Na tipologia escatológica, significaria perfeito domínio político-cultural-científico-tecnológico-econômico-financeiro da diplomacia mundial. Estas premissas são atualmente redigidas pela ONU, UNICEF, WHO, FAO, UNESCO, AIEA, FMI, Banco Mundial, PAM, TPI, G7, G8, G20 etc. e estão muito bem documentadas, são públicas, mas poucos têm acesso (5). Estão sendo gradativamente administradas às nações há muitos anos de acordo com um plano de domínio humanista, geração de um controle mundial para buscar uma nova ordem de governança. Procura excluir gradativamente a influência das religiões, principalmente as abrahmicas, no comportamento social da humanidade,sobre as cabeças nomes de blasfêmias.





REFERÊNCIAS

1.Andrade, C.C. Dicionário de Escatologia Bíblica. Editora CPAD. 3 Edição, Rio de Janeiro, 2000.

2.Bullinger, E.W. Number in Scripture, its Supernatural Design and Espiritual Significance. 4th Edition, Bible Warehouse, London, 1921.

3.História em Revista. A Elevação do Espírito 600-400 AC. Time-Life Books, Edited by van Tulleken, K. Edição em português por Editora Cidade Cultural, Rio de Janeiro, 1989.

4.Mesquita, A.N. Povos e Nações do Mundo Antigo. Editora JUERP, 4 Edição, Rio de Janeiro, 1983.

5.Sanahuja, J.C. Poder Global e a Religião Universal. Editora Ecclesia, 1 Edição, Campinas, 2012.




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