sábado, 17 de fevereiro de 2018

FILOSOFIA DA RELIGIÃO: Resumo Didático para Estudantes

Resumo dos Principais Filósofos e seus Pensamentos

Prof. Rodnei Cecarelli, PhD

Introdução
A filosofia da religião é a temática da abertura do homem para o mistério do transcendente que o envolve, aceitando-o de maneira positiva e conjecturando sobre sua existencia. Por conseguinte, contextua a relação do homem com o santo ou numinosum, a ideia do sagrado no horizonte da autocompreensão humana.  A religião realiza-se na própria existência humana. Tanto o apelo de Deus quanto a resposta do homem se verifica na própria existência per se. Assim a existência religiosa se constitui e se completa a partir do divino. Por isso, na filosofia da religião, não se fala só do homem, mas também daquilo que é diferente dele, que é o transcendente.  No cristianismo, por exemplo, é a revelação e a penetração do incondicionado no mundo condicionado (ZILLER 2010). Segundo Hegel, a religião e a filosofia têm em comum a busca da verdade (HEGEL 1807). Sabemos que a razão não tem um começo ou ponto inicial. A própria pergunta pela razão e pela liberdade é condicionada historicamente. Podemos repetir a pergunta de Ziller (2010): é realmente racional a confiança ilimitada na razão?

Racionalidade moderna e a fé: Descartes e Pascal
“A história é o combate entre a fé e a incredulidade” Goethe
Partindo da desconfiança universal, Descartes adota o procedimento conhecido por dúvida metódica, ou seja, de não aceitar nada que não ofereça garantia absoluta de verdade.  O caminho cartesiano ou ceticismo metodológico proposto vai do cogito a Deus até a verdade objetiva. Caberia indagar se o homem pode ser reduzido à razão?
Pode-se demonstrar que há um Deus, apenas porque a necessidade de ser ou existir compreendida em a noção que temos dele. Que não sendo nós a causa é Deus, e que, por consequência, há um  Deus” (ZILLES 2010).
 Pascal relativiza a certeza puramente racional e matemática: “conhecemos a verdade, não só pela razão, mas também pelo coração”. Pascal não isola o homem do mundo, como fizera Descartes. Pergunta: o que o homem é perante o infinito?
“Nada em relação ao infinito: tudo em relação ao nada; um ponto intermediário entre o tudo e o nada. Infinitamente incapaz de compreender os extremos, tanto o fim das coisas como seu princípio permanecem ocultos num segredo impenetrável, e é-lhe igualmente impossível o nada de onde saiu o infinito que o envolve”.
A razão não pode decidir se existe Deus ou não, pois entre nós e Deus há distância infinita, por isto apostamos cara ou coroa a favor da existência de Deus. O Argumento da Aposta de Pascal. Para Pascal, é mais favorável apostar na existência de Deus, visto que o crente, ao apostar em Sua existência, se realmente Ele existir, ganhará tudo (a vida eterna), e se for o oposto, nada perde, pois ao menos cumpriu uma vida ética. Pascal afirma: “Se somente se devesse fazer alguma coisa com certeza, nada se deveria fazer pela religião, pois ela não oferece certeza”. Para Pascal como para Descartes, o pensar é importante. Mas para Pascal, o espírito humano é muito mais que pura razão.

A Lei Natural de Spinoza
As Escrituras contem a palavra de Deus, mas não é a palavra de Deus.
“Jesus Cristo é a salvação dos ignorantes” Baruch Spinoza
Sua crítica à religião se dá através da crítica às Escrituras, com a sua famosa obra, o Tratado Teológico-político (TTP).  O TTP tem como ponto de partida a questão da inspiração bíblica. Spinoza não leva em conta a instituição religiosa, mas a Bíblia. Segundo ele, os religiosos afirmam que ela foi inspirada por uma questão de política, visando à manipulação. Eles manipulam as Escrituras a fim de dar o sentido que querem para elas. Desenvolve uma profunda exegese bíblica para chegar a comprovar que a Bíblia não é um livro inspirado, mas um livro como outro qualquer. A mensagem da Escritura é a mesma que está inserida na própria lei da natureza.
A Bíblia é um livro sem interpretação, que apenas serve para ajudar as pessoas a serem felizes ou melhores. Para sair de toda a compreensão ambígua, Spinoza desenvolve um Método de Exegese Bíblica, que é usado até hoje pelos exegetas, o Método Histórico Critico (MHC). Spinoza quer provar, com isso tudo, que a religião não passa de uma política das instituições religiosas, que querem alienar a todos os seus seguidores. Jesus Cristo seria a “salvação dos ignorantes”. Segundo Spinoza, a Bíblia deve ser interpretada à luz natural, não como “inspiração divina” ou “imaginação humana”. 
Na busca pela Verdade contida na Bíblia, Spinoza conclui que os livros da Escritura contêm a Palavra de Deus, mas que eles mesmos não são a Palavra de Deus. Postula que a razão estabelece a existência da substância infinitamente infinita, isto é, Deus, e a sua essência, um Deus imanente, e não transcendente, que, ao criar todas as coisas, permanece nelas. Em tudo está contida a Lei Natural, e se esta Lei provém de uma Lei Eterna, isto é, de Deus, logo Deus está em todas as coisas. Tudo que existe é a partir da Lei Natural. Para o filósofo a ideia de milagre seria inconcebível, pois seria o mesmo que dizer que Deus está concertando algo que Ele criou com defeito.

 A Racionalidade Moderna e a Religião: Kant e Hegel
O ponto de partida do conhecimento humano, segundo Kant, é a razão que imprime suas forças puras (categorias) nos objetos para assim constituí-los.  Segundo Kant o conhecimento é constituído por juízos. Só podemos conhecer os fenômenos. Segundo a metafísica tradicional, a razão busca três conhecimentos fundamentais: a) A alma (síntese das vivências subjetivas); b) O universo (síntese das vivências objetivas);c) Deus (síntese final e suprema).
Kant constata que nenhum desses objetos pode ser conhecido pela razão pura. Hegel não tenta demonstrar a existência objetiva de Deus. Antes indaga como o homem chega a pensar em Deus. Deus deve ser visto como aquele que passa por uma história e nela se revela. Este é o tema de sua obra filosófica “Deus não é espírito vazio, mas o Espírito.” (HEGEL 1807, ZILLES 2010).

 A Racionalidade Científica e a Fé: Wittgenstein e Popper
A própria filosofia torna-se teoria da ciência. O processo do iluminismo conduziu o homem ao uso de sua própria razão. O ideal da ciência moderna é o método adequado, a clareza e a exatidão. A matematização, quantificação e a formalização são insuficientes para abranger fenômenos qualitativos específicos da existência humana, como arte, música, religião, o amor, a fé, etc.
Popper, em Conhecimento Objetivo (1902), assevera que há problemas  genuinamente filosóficos que não se podem esclarecer com meios da ciência empírica:
 “Todas as teorias são hipóteses; todas podem ser derrubadas”.   “Somos buscadores da verdade, mas não somos seus possuidores”
 O filosofo britânico Alfred Jules Ayer diz que todo o discurso inverificável acerca de Deus transcende e carece de conteúdo lógico, de maneira que é absurdo não só afirmar, mas também negar a existência de Deus (ZILLER 2010).

A crítica da religião e o ateísmo de Feuerbach
O homem criou Deus a sua imagem e semelhança” Ludwig A. Feuerbach
A verdadeira relação entre pensamento e o ser é apenas esta: o ser é o sujeito, o pensamento é o predicado. O pensamento provém do ser, mas não o ser do pensamento”. O homem não é só fundamento, mas também o objeto da religião, “a consciência de Deus é a consciência que o homem tem de si mesmo”. Feuerbach quer uma filosofia que possa satisfazer todas as exigências humanas e considerar o homem em sua realidade concreta material. Deus, religião e imortalidade são destronados e é proclamada a república filosófica na qual o homem é Deus para o homem. “O homem para si é homem (no sentido habitual); o homem com o homem - a unidade do tu e do eu – é Deus. Quando Feuerbach afirma que “o homem é deus para o homem” em Princípios da filosofia do futuro (1843), concebe o homem como ser social, em sua convivência com outros homens: o homem com o homem, a unidade de eu e tu, é deus.
O cristianismo é a velha religião que deve morrer para nascer a nova religião do Humanismo. Feuerbach destrona Deus e diviniza o homem. O Deus encarnado é apenas o homem divinizado e nada mais: “o Deus encarnado é apenas o fenômeno do homem endeusado” (Feuerbach 2007).  Feuerbach transforma seu humanismo em materialismo grosseiro. Diviniza a matéria da qual o homem é parte. Funda a religião no sentido de dependência da natureza.

O ateísmo sociológico: Karl Marx
“A religião é o ópio do povo” Marx
O novo humanismo de Marx é ateísmo e comunismo: “O ateísmo é o humanismo pela superação da religião, e o comunismo é humanismo pela superação da propriedade privada”, escreveu nos manuscritos econômico-filosóficos de Paris.
Para Marx o ateísmo é um produto evidente, tão evidente que dispensa qualquer investigação mais séria de sua parte. Deus não passa de uma projeção do homem. São as estruturas econômicas que segundo Marx, gera a falsa consciência que é a religião. A religião é uma consciência errônea do mundo. Desta maneira a religião age como calmante. “É o ópio do povo”. A religião hipnotiza o homem com falsa superação da miséria e assim destrói sua força de revolta. Marx conclui a religião sendo reflexa espiritual da miséria real do homem numa sociedade opressora.

 O ateísmo psicanalítico: Freud
Sigmund Freud, o fundandor da moderna psicanálise, afirma: “Deus é uma ilusão infantil”. A neurose é a fuga do adulto ao mundo infantil. Portanto, os conflitos que não foram resolvidos na infância celebram sua ressurreição. Freud vê a religião como regressão do adulto ao mundo ideal da criança.  A origem da religião é, pois, o inconsciente, ou seja, o irracional.
Para Viktor Frankl (1905), o fundador da terceira escola vienense de psicoterapia, o homem não é dominado apenas por um impulso inconsciente (Freud) ou por um psíquico inconsciente (Jung), mas também por um inconsciente espiritual. Enquanto a psicanálise percebe o homem como tal autônomo psíquico, a análise existencial percebe o espiritual como o especificamente humano.

O ateísmo niilista: Nietzsche
O último cristão morreu na cruz” Nietzsche
Nietzsche defende o ateísmo como sendo a posição própria da nova cultura. Nega a Deus porque é inimigo da vida, pois Deus surge em virtude de uma tendência hostil à vida. Diz que o conceito de Deus, inventado como antinomia contra a vida e a religião é essencialmente um processo de aviltamento do homem.
 A vasta obra de Nietzsche apresenta caráter fragmentário, sem aforismos, totalmente assistemático. A crítica religiosa de Nietzsche está vinculada intimamente a sua concepção de vida e de religião. Considerava a vida o valor supremo. A religião é destruidora da vida, uma categoria de negação teórica e prática da vida.  Na sua obra O Anticristo escreve: “O cristianismo defendeu tudo quanto é fraco, baixo, pálido.” Para Nietzsche nada é tão doentio quanto como a piedade cristã.
A razão e toda a psíquica tem a finalidade a serviço da vida biológica. A partir desta visão sustenta-se o ateísmo, sua visão de mundo e homem é consequência de seu ateísmo. “Deus está morto”, com a morte de deus morrem todos os demais valores que giravam em torno do conceito do divino.  Nesta perspectiva, a morte de Deus significa a liberdade do homem. Só a morte de Deus possibilitará a emancipação do homem.  O filósofo alemão Berhard Welte mostrou que a chave do ateísmo nietzschiano e de sua influência está no interior do próprio homem, que o possibilita. O homem deseja evitar um Deus vivo. É uma decisão existencial do próprio homem.
Mesmo depois de ter atacado o cristianismo por todos os lados, em 1881 escreveu a seu amigo Peter Gast:
 “Não importa o que eu tenha a dizer sobre o cristianismo, não posso esquecer que lhe sou devedor das melhores experiências da minha vida espiritual; e espero que, no fundo  do meu coração, jamais venha a ser ingrato para com ele”.

Conclusão
Vivemos na luta de cosmovisões antagônicas. Negar toda a possibilidade de conhecimento de Deus  seria atitude tão dogmática e arrogante quanto à dos filósofos e teólogos. Não se resolvem problemas evitando-os. Por isso não devemos deixar de  tomar determinada posição, enfrentando o risco da crença ou da descrença. A própria indiferença é uma posição. A opção transita por nossa conta, por conta da liberdade de pensamento e expressão humana (ZILLER 2010).

Referencias
FEUERBACH, L. A. Essência do Cristianismo. Editora Vozes. Rio de Janeiro. 2007.
GOMES, R.R.F. Introdução à Filosofia da Religião. Seminário Arquidiocesano São José, Rio de Janeiro, 2014.
HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. Domínio Publico, 1807.
POPPER, K.R. Conhecimento Objetivo. Domínio Publico, 1902.
ZILLES. U. Filosofia da Religião. 8a Edição, Editora Paulus. São Paulo, 2010.


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